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Projeto “40 anos, 40 artistas” | O ser (em) escultura com Rute Rosas

Rute Rosas (n.1972) combina a sua atividade de Artista Plástica – Escultora com a de Professora Auxiliar (Ph.D) do Departamento de Artes Plásticas – Escultura da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), instituição onde assume vários cargos em órgãos de gestão, sendo também membro integrado do I2ADS (Instituto de Investigação de Arte, Design e Sociedade). É na abrangência de funções que acumula que, desde 2013, é a representante da FBAUP no conselho científico da Fundação Bienal de Arte de Cerveira (FBAC). Desde 1996 que realiza exposições e tem concebido, participado, colaborado e organizado, inúmeros eventos, exposições coletivas e workshops em diversos países. As suas obras têm sido referidas em inúmeras publicações. Recebeu diversos prémios e a sua obra está representada em diversas instituições e coleções privadas em Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra e Brasil.

Contudo, a relação da artista com a Vila das Artes tem já mais de duas décadas e leva-nos até 1997, ano em que foram integrados na (agora) coleção da FBAC as obras Birthe, Pife, Fabio, Matheo (120x130x60cm) e Anke, Dirck, Clara(100x120x120cm). Estes objetos (produzidos integrando ferro, gesso, parafina, fotografia e vidro) refletem a pluralidade de meios, técnicas e materiais que marcam a relação de Rute Rosas com a escultura enquanto disciplina que combina a ARETE, TECHNE e PHRONESIS do pensamento do filósofo grego Sócrates, na importância de uma prática de estrutura poética (PHRONESIS) enquanto baliza entre aquilo que é íntimo, privado e público e no equilíbrio entre o saber pensar (ARETE) e o saber fazer (TECHNE). Estas duas esculturas de 1997, apresentadas no âmbito da IX Bienal Internacional de Arte de Cerveira, realizada entre 9 e 31 de agosto de 1997, foram desenvolvidas no âmbito de uma residência artística em Vila Praia de Âncora com artistas alemães (daí o nome das peças em homenagem a cada um dos participantes).

Uma tendência artística é um desejo de ser de outra maneira. Se for vital, penetra em tudo, Pode influir nas ideias e nos costumes através de tudo. Na sua origem, não penso que a mudança de gosto e as evoluções das modas, até das de vestir, sejam arbitrárias, antes respondem a este novo desejo de ser.[1]

Rute Rosas é uma artista anti tendências e a sua produção artística, poder-se-á afirmar, é um exercício de catarse e um combate à auto-censura, não privilegiando a matéria enquanto ponto de partida, mas diversificando possibilidades de trabalho que combinam processos de intensa e imersiva manualidade coma utilização dos novos media. E é neste enquadramento que na sua obra encontramos o têxtil, o vidro, a fotografia, o vídeo, a fundição, os metais, as madeiras, em expressões que vão da escultura-objeto até à performance, passando pela instalação e joalharia. No seu trabalho o corpo é elemento. É o centro de uma neo narrativa, não diacrónica e diferente da definida por Aristóteles, em que a artista expõe e se expõe, criando obras plenas de afetividade, memória e esquecimento. Como escreveu Miguel Von Hafe Pérez no âmbito de uma exposição individual de 2005:

Esta dimensão auto-referencial funciona mais como um ponto de partida mediante o qual a artista se relaciona com a sua envolvente, do que propriamente como indagação da sua dimensão social, política ou estética. Ou seja, o regime da representação estabelece mais uma escala de relacionamento directo com o fruidor, do que esclarece sobre qualquer tipo de narratividade biográfica. Assim, o que se tem evidenciado nos últimos projectos desta artista é uma preocupação no processo em que estes se desenvolvem, em detrimento da convencional estrutura de apresentação/recepção das propostas.

É neste enquadramento que, também em 2005, a artista apresenta Da terra ao céu (fotografia e tecido, 250x160cm) à XIII Bienal Internacional de Arte de Cerveira, realizada entre 20 de agosto e 17 de setembro, e vence o Prémio Revelação. Da exposição individual Respira, organizada em 2008 no Fórum Cultural de Cerveira, a artista doou Faço de conta que és tu… (o fim de um capítulo), constituída por um colchão serrado a meio, simbolizando o fim de um episódio pessoal (190x60x60cm). Contudo, e citando palavras da artista:

O objeto artístico é, em meu entender, fruto da experiência vivencial mas a Arte não é vida. Vem da vida. Os objetos artísticos produzem uma ação comunicante e os artistas são especialistas da imaginação, criatividade e curiosidade atentas.

Em 2017, no âmbito da XIX BIAC, a artista doa à coleção da FBAC do silêncio e só (Inverno), com recurso a matérias têxteis, vidro e espelho (300x170x170cm), fruto das experiências de trabalho em vidro desenvolvidas nos últimos anos na Marinha Grande. A sua obra e a sua presença são já uma marca da bienal mais antiga da Península Ibérica, evidenciada na coleção e nos diferentes projetos que ajuda a dinamizar com os estudantes da FBAUP e é por isso que, na comemoração destes 40 anos, não poderíamos deixar de a referenciar.

 

[1] TÀPIES, Antoni – A prática da arte. Lisboa: Livros Cotovia, 2002. Página 44.